Cordilheira dos Andes e Deserto do Atacama

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Esta é a minha primeira viagem internacional de moto, fui convidado por um grupo de amigos de Porto Alegre, RS e não hesitei em aceitar, afinal eles já são viajantes experientes e seria uma ótima oportunidade para mim aprender muitas coisas novas sobre viajar fora do Brasil, principalmente em situações inóspitas como essa que vamos enfrentar. Frio possivelmente abaixo de zero no topo da Cordilheira dos Andes e temperaturas na faixa de 45ºC nas regiões desérticas da Argentina e Chile. Os dias que antecederam a viagem foram de grande ansiedade, muitos preparativos. Troquei os pneus Street por pneus mais offroad, já que iríamos enfrentar centenas de km de rípio (tipo de estrada sem pavimento da cordilheira). Comprei também uma calça de motociclista específica para verão.

No primeiro dia que foi Quinta-feira dia 02/02/2012 saímos de Porto Alegre, Eu e mais três amigos com o objetivo e percorrer os famosos Pasos de Água Negra e Paso de San Francisco, ambos são passagens pela cordilheira dos Andes que dividem a Argentina e o Chile com altitudes de até 4870 metros e longos trechos ainda não asfaltados.

Percorremos 860 kilômetros até a cidade de Federal na Argentina.

A VIAGEM

 Dia 03/02/2012 – Sexta-feira – Objetivos de hoje, de Federal até Cruz del Eje (710km)

O dia amanheceu com uma chuva torrencial que já vinha se estendendo por toda a noite, a rua na frente do hotel estava alagada. Levantamos da cama por volta das 7:00 da manhã, preparamos as tralhas e colocamos as vestimentas e ainda por cima a capa de chuva. Andamos por algumas dezenas de quilômetros sob muita chuva até que ela começou a diminuir, na metade do caminho entre Federal e Santa fé já tinha parado total e o céu azul começou a aparecer juntamente com o calor.

Longos trechos dessa estrada estão em péssimas condições de conservação, é um pavimento de concreto com rachaduras e desníveis acentuados ao longo de toda a rodovia. Temos que andar devagar e com cuidado.

Cruzamos a bela cidade de Santa Fé passando antes pelo túnel sub-fluvial do rio Paraná. Em Santa Fé uma breve parada para abastecimento e um lanche, eu disse lanche, nada de almoço. A infra-estrutura no interior da Argentina é muito ruim, tem poucos postos de combustível e ainda com um péssimo serviço, as conveniências só possuem um sanduíche pálido e gelado nem microondas para aquecer o sanduíche eles possuem, restaurante com comida normal como somos acostumados no Brasil nem se fala, não existe.

Após fomos até Córdoba onde circulamos um pouco por aquele tumultuado centro, pois um dos nossos colegas queria comprar uns acessórios para a moto dele, no fim ele não encontrou o que queria e seguimos viagem rumo a Cruz del Eje onde pernoitamos. O caminho entre Córdoba e Cruz del Eje é lindíssimo com colinas e vales cobertos com uma vegetação rasteira muito verde.

Dia 04/02/2012 – Sábado – Objetivos de hoje, de Cruz del Eje até San José de Jáchal (576km)

A partir de hoje começam os preparativos para a subida da Cordilheira dos Andes, teremos o trajeto que nos levará até a última cidade ao pé da Cordilheira dos Andes. A paisagem ao longo da rodovia já começa mudar passando de imensas faixas de cerrado, vegetação rasteira rala, cactos até praticamente não haver mais vegetação e o ambiente se torna cada vez mais árido.

No meio do caminho há o Parque Nacional Talampaya localizado em Villa Unión, Província de La Rioja, Argentina. Este parque é um dos 7 patrimônios da humanidade devido a sua formação geológica e riqueza de materiais paleontológicos, fauna e flora característicos. Infelizmente não foi possível fazer o passeio guiado no parque, que dura três horas, pois nosso tempo estava escasso, já eram três horas da tarde e nós ainda teríamos umas três horas de viagem pela frente até San José de Jáchal.

Numa das paradas em um posto de serviço também conversamos com um outro grupo de motociclistas argentinos, eles nos informaram que as condições da estrada do Paso de San Francisco estariam muito ruins com grandes dificuldades. A partir daquele momento já estamos começando a questionar a realização dessa travessia.

Ao chegar em San José de Jáchal falei com dois motociclistas Suíços, eles vieram de avião até o Chile e lá locaram as motos para viajar pelo Chile e Argentina, era uma BMW GS 1200 e uma Ducati Multistrada 1200. Conversei um pouco com eles e me disseram que tinham feito o Paso de San Francisco. Ambos foram unânimes em afirmar que a estrada estaria muito ruim mas foi um dos lugares mais belos que eles já tinham passado. Como nós já estávamos em dúvida se faríamos ou não este Passo, esta informação dos Suíços foi mais um elemento para nossa decisão de não o fazermos.

Dia 05/02/2012 – Domingo – Objetivos de hoje,  San José de Jáchal até La Serena no Chile (351km)

Hoje é dia de fazer o Paso de Água Negra, uma das mais belas e desafiantes travessias da Cordilheira dos Andes, principalmente devido aos 120km de rípio (estrada sem pavimento típico da Cordilheira). Estou muito ansioso, até mesmo porque não sei como meu corpo vai reagir à altitude de quase 4900 metros acima do nível do mar.

Motos abastecidas, tanque de reserva também abastecido e lá vamos nós. Uma grande parte do lado Argentino está asfaltada com pavimento de boa qualidade, mas a uma certa altura termina o asfalto e começa a estrada de terra, por sinal de boa qualidade, dá tranquilo para andar sem grandes dificuldades até mesmo para mim que sou inexperiente nesse tipo de piso e ainda por cima sou cauteloso ao extremo afinal a estrada não possui guadrails e ao lado temos penhascos que se alguém cair vai rolar no mínimo uns 500 metros até encontrar algum obstáculo.

Já nos primeiros kilômetros, ainda na parte asfaltada levei o primeiro susto, eu, ainda vislumbrado com as belezas da cordilheira andava com a câmera pendurada no pescoço e mesmo com a moto em movimento ia clicando as paisagens, lá pelas tantas uma curva se aproximou muito rápido e tive que buscar os freios rapidamente, a roda traseira até deu uma cantada no asfalto ao mesmo tempo que o coração dispara e quase salta pela boca depois de recomposto do susto procurei tomar mais cuidado.

Esta é sem dúvida uma das partes mais perigosas da viagem e eu estava bastante ansioso por ela, principalmente devido ao grau de dificuldade que ela apresenta sob todos os aspectos. Na medida em que avançávamos aumentava o frio na barriga tinha medo até de olhar para os lados enquanto estava pilotando, para admirar um pouco a paisagem e tirar fotos sempre dava uma paradinha o que fez com que eu ficasse longe para trás dos meus amigos. Mas como não sei se vou fazer aquela travessia novamente então tenho que aproveitar ao máximo e curtir aquele visual maravilhoso e imponente daquela cordilheira com suas formações rochosas em avançado estado de decomposição, que eu jamais tinha visto em algum lugar. A sensação que eu tive é que a Cordilheira, pelo menos naquela parte, está se desmanchando, é como se as rochas estivessem se deteriorando e aos poucos descendo e preenchendo os vales.

Finalmente após 3,5 horas de deslocamento conseguimos chegar ao final, na aduana chilena, e Eu, principalmente muito cansado e com muita sede e calor, pois na medida em que descíamos o calor aumentava. Depois de feitos os trâmites burocráticos da alfândega ficamos um tempo ali para ajeitar nossas coisas, trocar as pesadas roupas contra frio para roupas mais leves de verão. Iniciamos a decida depois da alfândega chilena e descemos por um vale em direção a La Serena. Passamos por um vale lindíssimo de produção de uvas viníferas bem ao pé da cordilheira dos andes tudo irrigado com água do degelo da cordilheira.

Lá pelas 20:00 já estávamos chegando numa pousada em La Serena onde ficamos numa cabana completa com tudo que tem direito.

Dia 06/02/2012 – Segunda-Feira – Objetivos de hoje,  La Serena no Chile até Chañaral (351km)

Na verdade não era bem o objetivo que está no título acima, o objetivo pela programação inicial da viagem seria ir até Copiapó e se preparar para fazer o Paso de San Francisco que é outra passagem entre o Chile e Argentina na Cordilheira dos Andes. O detalhe é que essa travessia é uma das mais difíceis pois possui 280 km de estrada de terra em péssimas condições segundo informações que obtivemos de outros motociclistas. Por isso desistimos dessa travessia e vamos ir para San Pedro de Atacama.

Desta forma saímos de La Serena e conseguimos ir até Chañaral onde ficamos hospedados num hotel bem simples.
O Adalto acabou ficando num apartamento que nem banheiro no quarto tinha, o banheiro era coletivo. Não preciso nem dizer que ele ficou pê da vida, e para completar ele ainda teve que tomar banho friu.
Fomos num restaurante para jantar, óbvio tudo muito simples, porém simplicidade não quer dizer relachamento né? pois não é que a toalha de mesa onde sentamos estava toda suja? O meu colega Big comentou. – Essa toalha não vê uma água a semanas, ehehehe, é melhor nem pensar como é a cozinha deles, gargalhadas….mas enfim, o prato à base de peixe até que estava gostoso.

Dia 07/02/2012 – Terça-Feira – Objetivos de hoje, Chañaral até San Pedro de Atacama (+- 600km).

Pra mim acabou virando 1100km.

Pela primeira vez vou enfrentar um deserto de verdade como eu nunca tinha visto antes. Temos cerca de 500 km pela frente só no meio do deserto com ventos fortíssimos e muito calor. Preparamos as motos e as mochilas e eu saí na frente dos colegas, já que eu gosto muito de parar para tirar fotos, logo eles me alcançariam, só que eu errei o caminho e fui para outra direção totalmente oposta ao caminho que eles seguiriam. Resultado andei cerca de 200km para descobrir que estava no caminho errado, então tive que voltar tudo novamente e correr muito para tentar alcançar eles. Eu não tinha nem como me comunicar com eles, só pude fazer um contato quando cheguei em Antofogasta (Chile), num posto de conveniências acessei a internet e mandei uma mensagem via Facebook para o meu colega Valter. Segui viagem até Kalama, cidade que fica 100km antes de San Pedro de Atacama, lá acessei novamente a internet, falei com minha esposa pelo Skype e também já recebi notícias dos meus colegas que já tinham chegado em San Pedro de Atacama. O Valter disse que eu poderia ir até lá mas salientou que a estrada próximo a San Pedro estava com areia e pedras na pista devido a uma chuva torrencial que ocorrera à tarde. Fiquei com receio de pegar a estrada à noite e acabei ficando ali em Kalama mesmo, óbvio que só consegui hotel depois de uma peregrinação pela cidade à procura de hotéis, todos estavam lotados, só consegui um depois que uma recepcionista de um dos hotéis pegou o telefone e ligou para vários outros até conseguir um que tivesse uma vaga, por sorte um bom hotel 4 estrelas com direito a uma cama super King size e banheira de hidromassagem.

Dia 08/02/2012 – Quarta-Feira – Objetivos de hoje, passeios em San Pedro de Atacama e depois iniciar a viagem de retorno pelo Passo Jama (+-400km)

Cheguei em San Pedro de Atacama por volta das 9:00 da manhã, descarreguei as malas da moto e deixei no apartamento do hotel onde meus colegas estavam hospedados e saí para um tour pela cidade já que meus colegas tinham ido a um outro passeio para ver os Geisers, eles só voltariam após o meio dia.

Aproveitei para conhecer o centro histórico com suas construções características da cultura Inca e depois fui visitar o vale da lua, um lugar lindíssimo com formações bem características que imitam a superfície lunar.

No início da tarde o grupo se reuniu novamente e iniciamos o processo de retorno através do Passo de Jama. Este caminho também é muito lindo, passamos ao lado de montanhas cobertas com neve eterna e até um vulcão inativo também coberto com neve eterna. No horizonte percebo que o tempo está fechando e se preparando para um temporal e a temperatura está em queda livre, tivemos que parar para reforçar as roupas e colocar as luvas de inverno. Depois de passar a aduana da Argentina onde perdemos bastante tempo, seguimos viagem em direção aquela nuvem preta no horizonte com muitos trovões e relâmpagos. Naquele momento fiquei bastante preocupado pois é sabido que os ventos no deserto podem atingir até 180km por hora, seguimos andando tentando ir o mais rápido possível para pelo menos chegar até Susquis (Ar), lá pelas tantas começa a chuva o vento se intensifica cada vez mais e inclusive começa uma chuva de granizo muito intensa. Depois de algum tempo já andando na chuva com granizo um tufão de vento muito forte atinge meu colega Valter que estava a uns 50 metros na minha frente e desestabiliza a moto dele, ele tenta de todas as maneiras controlar a moto e acaba no acostamento e caindo em uma valeta, por sorte não muito funda. Imediatamente eu e o Adalto paramos nossas motos para ajudar nosso colega, ajudamos ele a se levantar e depois levantamos a moto, felizmente nenhum ferimento, apenas a moto ficou com o guidão torto. Depois de agente se recompor em meio à chuva torrencial seguimos andando bem devagar, teríamos ainda 40 km pela frente até Susquis. Chegando lá ficamos no primeiro hotel que apesar de simples tinha calefação e internet WI-FI, bom para colocar as comunicações em dia e também secar nossas roupas e luvas.

Dia 09/02/2012 – Quinta-Feira – Susques até onde for possível chegar (500km)

A partir de agora não tem mais graça visitar mais nada ou passear, já que não estávamos mais com nosso colega Valter Fagundes. O objetivo agora é apenas um, voltar para casa o mais rápido possível, até mesmo porque a minha esposa está com muita saudades e está ansiosa para que eu volte logo. Saímos de Susques por volta das 9:00 da manhã, o tempo estava bom, porém já fomos avisados de que houvera várias quedas de barreiras devido às fortes chuvas dos últimos dias, e, de fato em vários pontos encontramos máquinas trabalhando na limpeza da estrada, e tivemos que atravessar locais com barro e água na pista, infelizmente em boa parte do trajeto da Costa do Lipan estava coberta por uma densa neblina e muito frio, não deu para ver quase nada da paisagem. Eu já estava começando a congelar na moto então, estacionei num paradouro onde haviam duas senhoras nativas (típicas descendentes dos Incas) da região arrumando suas barracas para venda de artesanato, ainda comentei assim — Estou congelando, preciso me agasalhar, elas nem deram bola para mim, seguiram arrumando suas coisinhas como se eu nem estivesse ali. Enfim, vesti todos aqueles agasalhos de inverno que eu tinha levado e ainda não usado, e ainda coloquei a capa de chuva por cima, mais as polainas impermeáveis por cima da bota e minhas luvas de inverno. Fazer uma operação dessas à uma altitude de cerca de 3800 metros é bem complicado, agente fica ofegante e cansado bem rápido.

Depois de umas 3horas e meia de descida de serra chegamos à cidade de San Salvador de Jujuy, já na planície Argentina. Sob intensa chuva tivemos que ficar em uma fila para abastecimento de combustível num posto de gasolina, após o abastecimento comemos um lanche e falamos com um grupo de motociclistas com motos Harley Davidson, do Paraná que haviam chegado ali. Após um descanso e um lanche saímos dali em direção à Salta. Mas nem entramos em Salta, pegamos um desvio antes e rumamos em direção à grande reta do Pampa do Inferno, como é conhecida. Esta é uma estrada de uma única reta com aproximadamente 600km e normalmente faz muito calor durante o dia.

Conseguimos chegar até a cidade de Monte Quemado onde abastecemos as motos e ficamos num hotelzinho bem simples.

Dia 10/02/2012 – Sexta-Feira – Monte Quemado até Oberá (860km).

O dia de hoje foi puxado, 860km percorridos e muito calor, cheguei em Oberá, cidade que fica a 60 km da fronteira com o Brasil completamente exausto e com dor de cabeça, tudo o que eu queria era um bom banho frio e uma cama para dormir um pouco. E foi o que fiz, dormi até perto das 20:00 e depois fomos jantar num desses restaurantes que oferecem parrillada.

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Dia 11/02/2012 – Sábado – Oberá até São Leopoldo (600km).

Enfim último dia, levantamos bem cedo para conseguir pegar a primeira balsa que faz a travessia do rio Uruguai. Ainda tem que fazer os trâmites na Aduana e pagar uma taxa de travessia.

Após a travessia fomos tomar um café bem gostoso na casa de um grande amigo do Adalto e depois pé na estrada. A partir de agora é como já estivesse em casa, pois todas as estradas já são conhecidas minhas pois esse caminho eu faço pelo menos uma vez por mês. Lá pelas tantas passei pelo Adalto e encostei num posto para abastecer gasolina, acho que no meio tempo que entrei na loja de conveniência para comprar uma água ele deve ter passado e perdi ele de vista, no fim das contas começamos a viagem entre 4 amigos e acabamos terminando a viagem sozinhos.

Quando cheguei no portão de casa a esposa só faltava dar pulos, não sei quem queria me afofar mais, se era ela, a filha ou a cachorrinha, eheheh.

2 comentários em “Cordilheira dos Andes e Deserto do Atacama

  1. Muito legal mesmo Gilmar. Que oportunidade maravilhosa. Magnífico mesmo! Me vejo muito em você no que diz respeito ao espírito aventureiro. Enquanto ia lendo o texto, eu só imaginava e pensava, espero ainda poder fazer alguma dessas aventuras e com boa saúde para aproveitar cada segundo! Não tenho grandes ambições, mas gostaria de fazer alguma aventura que não pude fazer na minha tenra juventude! He, he, he,…Parabéns e obrigada por dividir com a gente as suas aventuras. Não perca esse espírito de ousadia, sempre respeitando seus limites, é claro, e com muita cautela. Amei!!!!!!!!!!!!!!!…

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